A citação sobre as duas testemunhas se encontra em Apocalipse 11,3-12. Trata-se, sem dúvida, de personagens extraordinários. As suas ações são descritas em 3 fases: a pregação acompanhada pela capacidade de realizar prodígios; a sua perseguição e morte por parte daqueles que se sentiam atingidos pela pregação; a sua ressurreição e assunção aos céus, onde os inimigos lhes contemplavam. Trata-se, como se pode logo intuir, de um esquema típico que encontramos também na vida de Jesus. Por isso poderíamos dizer que o autor pretende que imaginamos que estas personagens são semelhantes ao próprio Cristo. É exatamente por isso que provavelmente são chamadas de "testemunhas", pois encarnaram em suas vidas o objeto de seus testemunhos, isto é, o ensinamento e o mistério pascoal de Cristo.

O fato de serem dois tem a ver com a autenticidade de seus testemunhos. Nos processos era necessário que as testemunhas de acusação fossem ao menos duas ( cf. Números 35,30; Deuteronômio 17,6; 19,15; Mateus 18,16; Gv 8,17; Hebreus 10,28). Da mesma forma, aqui nesse texto, o número dois indica a credibilidade das suas palavras.

Outro elemento que dá autoridade a eles é o fato que lhes são atribuídos alguns poderes típicos dos profetas Elias (não fazer chover) e Moisés (transformar a água em sangue e infestar o território com pragas) e que da boca deles sai fogo, como daquela de Jeremias, a quem o Senhor diz "Porquanto disseste tal palavra, eis que converterei as minhas palavras na tua boca em fogo, e a este povo em lenha, eles serão consumidos"(Jeremias 5,14). Diz isso para indicar o poder divino e "destruidor" da palavra divina que sai da boca dos profetas (trata-se da "potência destrutiva" que esta palavra opera quando entra em contato com a vida das pessoas e que pode provocar uma tremenda oposição que leva a matar ao profeta).

Por último, temos o elemento de credibilidade por excelência que é a ressurreição/assunção aos céus das testemunhas, que "“ como na morte "“ têm o mesmo destino de Cristo também na glória, uma realidade que aparecerá aos olhos de todos e que será "contemplada" (com um sentido de reflexão sobre aquilo que se vê) pelos seus próprios perseguidores.

Agora abordemos especificamente a pergunta: "as duas testemunhas estão entre nós"? A resposta que dou em seguida dá a oportunidade de introduzir um princípio que é muito importante para compreender o mecanismo dos símbolos nas narrações bíblicas.

O aspecto simbólico das imagens usadas no Apocalipse (assim como em outros lugares na Bíblia) nos permite poder sempre identificá-los com pessoas e acontecimentos do nosso tempo. O Apocalipse, que é "“ como se traduz o grego apokalypsis "“ "revelação", nos fornece chaves e critérios que nos ajudam a distinguir, dentro duma realidade, algo de negativo ou positivo e nos auxilia no discernimento diante de pessoas e suas ações e da história. Para poder ter esse efeito, porém, o símbolo deve também transcender a realidade que temos diante de nós. Deve valer agora e no futuro. Não podemos dar nome e sobrenome para as duas testemunhas (como também não podemos dá-lo à Besta ou a outras imagens simbólicas do Apocalipse), pois, se fizéssemos isso, anularíamos o símbolo, transformando-o em algo não mais aplicável a ninguém no futuro. Uma pessoa, um reino, uma nação podem ter, na história, nomes diferentes, mas também aspectos positivos e negativos que reaparecem.

Falando em perspectiva inversa, no símbolo temos características típicas do bem "“ beleza, convivência pacífica, harmonia, amor, etc. "“ ou também do mal "“ confusão, violência, guerra, humilhação, etc. "“ que na história podem assumir traços físicos diferentes em períodos diversos. Aquilo que importa não é identificar anagraficamente isto ou aquilo, mas é ter em mãos os instrumentos para se comportar conforme a maneira que o Apocalipse nos ensina, que é típico do cristão: exercitar o nosso juízo crítico em relação à realidade em que vivemos e seus protagonistas, para permanecer atentos, para abraçar com confiança aquilo que é bom e, igualmente com confiança, afastar-se do mal.