Há muitas pessoas, estudiosos ou gente comum, que lêem a Bíblia, mesmo sem ser cristão ou judeu. De fato, a Bíblia é também um livro, um elemento de literatura, um best seller. Portanto, um historiador pode ler a Bíblia procurando saber como se vivia no primeiro século da era cristã ou por algum outro motivo. A questão é saber se alguém sem fé possa entender o que a Bíblia transmite, De fato a Bíblia não é simplesmente um livro, mas um livro escrito com fé; é uma visão teológica dos acontecimentos e não simplesmente uma descrição daquilo que acontece.
Façamos uma comparação para ajudar no processo de compreensão do meu raciocínio. Digamos que a Bíblia é um castelo. Nesse castelo há estradinhas e muitos quartos. Todo mundo pode entrar nele, mas nos quartos, nas diferentes repartições é necessário uma chave, que abra a porta. Se alguém deseja visitar esse castelo, o portão central está aberto, pode entrar e circular pelas ruazinhas. Portanto, todos podem dizer como o castelo é feito, quantas ruas tem, como são as contruções, etc. Todavia, se alguém quer entender exatamente a vida das pessoas que ali viviam precisa ter a chave. E essa chave só é dada às pessoas que têm fé. Não porque ali dentro tem um segredo, mas porque essa chave se conquista através dum processo, de uma caminhada, de encontros e amizade com o 'proprietário' do castelo.
O documento Dei Verbum traduz muito bem essa dinâmica (n. 5):
A Deus que revela é devida a «obediência da fé» (Romanos 16,26; cfr. Romanos 1,5; 2 Coríntios 10, 5-6); pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus oferecendo «a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade» (4) e prestando voluntário assentimento à Sua revelação.
Quem não tem fé não consegue ver na Bíblia a revelação divina. É um privilégio dos que estão em comunhão com Deus, que o amam. Aqui é aplicado, de maneira extrema, aquilo que dizia Saint-Exupéry: "é possível ver bem somente com o coração".
Por outro lado é importante sublinhar que o fato de ter fé não significa que todos os mistérios são revelados. Também para quem tem fé a visão é sempre parcial, imperfeita. Tomás de Aquino dizia que, no final do nossa busca de conhecimento, conhecemos Deus como ignoto. No fundo, é a mesma reflexão feita por Paulo em 1Coríntios, quando diz que "agora vemos como em um espelho, em modo confuso" (1Coríntios 13,12). É preciso buscar sempre e com isso alargamos o horizonte da nossa fé. Esse processo significa também o uso do raciocínio, da teologia. mas a ciência, a teologia, não basta; é preciso ir além da teologia.