A sua pergunta é muito interessante e abrange uma problemática presente em diversas etapas da história da humanidade, também realidade nos dias de hoje.
A Bíblia fala sim da violência sexual contra as mulheres. Várias vezes o estupro é mencionado, embora não tenha encontrado uma menção direta às crianças que eventualmente nascem de tal abuso.
Começamos citando alguns textos. É interessante notar que se buscamos, com a ajuda das concordâncias, a palavra "estupro", não encontramos nenhuma citação. Porém a violência sexual é mencionada, como vemos nesses 5 textos abaixo.

Deuteronômio 22: (Leia todo o capítulo)
22 Se um homem for encontrado deitado com mulher que tenha marido, morrerão ambos, o homem que se tiver deitado com a mulher, e a mulher. Assim exterminarás o mal de Israel. 23 Se houver moça virgem desposada e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, 24 trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis até que morram: a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo. Assim exterminarás o mal do meio de ti. 25 Mas se for no campo que o homem achar a moça que é desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, morrerá somente o homem que se deitou com ela; 26 porém, à moça não farás nada. Não há na moça pecado digno de morte; porque, como no caso de um homem que se levanta contra o seu próximo e lhe tira a vida, assim é este caso; 27 pois ele a achou no campo; a moça desposada gritou, mas não houve quem a livrasse. em juízo, entre sangue 28 Se um homem achar uma moça virgem não desposada e, pegando nela, deitar-se com ela, e forem apanhados, 29 o homem que se deitou com a moça dará ao pai dela cinqüenta siclos de prata, e porquanto a humilhou, ela ficará sendo sua mulher; não a poderá repudiar por todos os seus dias. 30 Nenhum homem tomará a mulher de seu pai, e não levantará a cobertura de seu pai.

Juízes 19 (Leia todo o capítulo)
22 Enquanto eles alegravam o seu coração, eis que os homens daquela cidade, filhos de Belial, cercaram a casa, bateram à porta, e disseram ao ancião, dono da casa: Traze cá para fora o homem que entrou em tua casa, para que o conheçamos. 23 O dono da casa saiu a ter com eles, e disse-lhes: Não, irmãos meus, não façais semelhante mal; já que este homem entrou em minha casa, não façais essa loucura. 24 Aqui estão a minha filha virgem e a concubina do homem; fá-las-ei sair; humilhai-as a elas, e fazei delas o que parecer bem aos vossos olhos; porém a este homem não façais tal loucura. 25 Mas esses homens não o quiseram ouvir; então aquele homem pegou da sua concubina, e lha tirou para fora. Eles a conheceram e abusaram dela a noite toda até pela manhã; e ao subir da alva deixaram-na: 26 Ao romper do dia veio a mulher e caiu à porta da casa do homem, onde estava seu senhor, e ficou ali até que se fez claro. 27 Levantando-se pela manhã seu senhor, abriu as portas da casa, e ia sair para seguir o seu caminho; e eis que a mulher, sua concubina, jazia à porta da casa, com as mãos sobre o limiar. 28 Ele lhe disse: Levanta-te, e vamo-nos; porém ela não respondeu. Então a pôs sobre o jumento e, partindo dali, foi para o seu lugar. 29 Quando chegou em casa, tomou um cutelo e, pegando na sua concubina, a dividiu, membro por membro, em doze pedaços, que ele enviou por todo o território de Israel. 30 E sucedeu que cada um que via aquilo dizia: Nunca tal coisa se fez, nem se viu, desde o dia em que os filhos de Israel subiram da terra do Egito até o dia de hoje; ponderai isto, consultai, e dai o vosso parecer.

2Samuel 13 (Leia todo o capítulo)
10 Então disse Amnom a Tamar: Traze a comida a câmara, para que eu coma da tua mão. E Tamar, tomando os bolos que fizera, levou-os à câmara, ao seu irmão Amnom. 11 Quando lhos chegou, para que ele comesse, Amnom pegou dela, e disse-lhe: Vem, deita-te comigo, minha irmã. 12 Ela, porém, lhe respondeu: Não, meu irmão, não me forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. 13 Quanto a mim, para onde levaria o meu opróbrio? E tu passarias por um dos insensatos em Israel. Rogo-te, pois, que fales ao rei, porque ele não me negará a ti. 14 Todavia ele não quis dar ouvidos à sua voz; antes, sendo mais forte do que ela, forçou-a e se deitou com ela. 15 Depois sentiu Amnom grande aversão por ela, pois maior era a aversão que se sentiu por ela do que o amor que lhe tivera. E disse-lhe Amnom: Levanta-te, e vai-te. 16 Então ela lhe respondeu: Não há razão de me despedires; maior seria este mal do que o outro já me tens feito. Porém ele não lhe quis dar ouvidos, 17 mas, chamando o moço que o servia, disse-lhe: Deita fora a esta mulher, e fecha a porta após ela.

Zacarias 14 (Leia todo o capítulo)
1 Eis que vem um dia do Senhor, em que os teus despojos se repartirão no meio de ti. 2 Pois eu ajuntarei todas as nações para a peleja contra Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres forçadas; e metade da cidade sairá para o cativeiro mas o resto do povo não será exterminado da cidade. 3 Então o Senhor sairá, e pelejará contra estas nações, como quando peleja no dia da batalha.

Daniel 13 - Texto presente somente na bíblia católica
Susana, mulher de Joaquim, passeia no jardim e é desejada por dois anciãos. Ela se opõe e eles a difamam, dizendo que ela teria deitado com um jovem. Por isso é condenada á morte. Contudo o jovem Daniel revela o plano dos anciãos e o tribunal descobre que na verdade ela tinha sido caluniada pelos anciãos. Dessa forma os dois são mortos.

Esses são alguns textos importantes sobre o estupro que uma visão geral encontra na Bíblia. Eles dão uma idéia do juízo que o texto sagrado dá sobre a violência sexual. Certamente podemos afirmar que a idéia básica é uma crítica veemente à violência sexual contra as mulheres. A lei de Deuteronômio 22, que comanda ao homem violentador esposar a sua vítima, é uma forma de proteger a mulher violentada, embora hoje tal método pode ser discutido e provavelmente não mais válido. Também na narração de Juízes 19 a violência contra a mulher é fortemente criticada, mesmo se é preferido deixar que sejam mulheres a serem estupradas e não homens. No texto de 2Samuel, onde o filho de Davi, Amnom, violenta a sua irmã, a crítica é mais velada, pois em Davi encontramos apenas um "ficou indignado"(13,21), enquanto que Absalão, também ele filho de Davi, matará o irmão por causa deste estupro em família. Na profecia de Zacarias a violência contra as mulheres pode ser vista como um castigo por parte de Deus pelo mal comportamento do povo, mas no último versículo o Senhor combate contra quem eventualmente terá violentado as mulheres de Jerusalém. Muito veemente e é a oposição contro o abuso presente no caítulo 13 de Daniel, texto presente somente na bíblia católica. Susana, ameaçada de estupro, não aceita a situação e prefere morrer difamada pelos próprios violentadores. Isso não acontecerá graças à intervenção do jovem Daniel que faz com que os anciãos agressores sejam condenados à morte.

Portanto, podemos dizer que na Bíblia há uma cultura clara contra a violência sexual. Obviamente os preceitos bíblicos não têm a clarividência presente na nossa cultura moderna, mas embrionariamente são fundamentos para a aplicação atual. Os textos mencionados são os mais importantes. Às vezes, em situações de guerra, pode parecer que as mulheres eram abusadas com o concenso de Deus. Isso porém não tem nenhuma procedência. É importantíssimo lembrar que a Bíblia é Palavra de Deus escrita por homens, que são influenciados pelo próprio tempo e situação cultural. Para nós deve ficar o conceito básico e devemos relativizar certas atitudes influenciadas por aspectos passageiros.

Sobre as crianças, fruto de eventuais estupros, não encontrei menção na Bíblia. Todavia penso que aqui possa valer o preceito evangélico, quando Jesus diz: Deixai vir a mim as crianças (...) pois delas é o Reino dos Céus (Mateus 19,14; Marcos 10,14; Lucas 18,16).

Para auxiliar na sua pesquisa, indico alguma bibliografia, em português, sobre o assunto:


* GLANCY, Jennifer A. A acusada : Susana e seus leitores. In: ESTER, Judite e Susana : a partir de uma leitura de gênero. Organização de Athalya Brenner; Tradução de Rosangela Molento Ferreira. São Paulo: Paulinas, 2003. 438 p. (A Biblia : uma leitura de genero). ISBN 85-356-0872-9. p.373-392.

* MAUCH, Ruth Evelyn. A filha de Jefté : uma releitura de juizes 11, 28-40 a partir do cotidiano da mulher. 148p. Mestrado em CIENCIAS DA RELIGIAO. São Bernardo do Campo, 2001.

* BRANCHER, Mercedes. A violencia contra as mulheres na vida cotidiana : um estudo do livro da alianca a partir de Exodo 20, 22-23, 19. 230p. Doutorado em POS-CIENCIAS DA RELIGIAO. São Bernardo do Campo, 2004.

* WANDERMUREM, Marli. Delitos não silenciados : a dor da violência nas histórias de vida nas narrativas sobre monarquia davídico-salomônica a luz dos textos de 2 Samuel 1 até 1 Reis 2. 321p. Doutorado em POS-CIENCIAS DA RELIGIAO. São Bernardo do Campo, 2002.

* GORDON, Pamela; WASHINGTON, Harold C. Estupro como metáfora militar na Bíblia Hebraica. In: PROFETAS a partir de uma leitura de gênero. Organização de Athalya Brenner. São Paulo: Paulinas, 2003. 541 p. ISBN 85-356-0825-7. p.421-445.

* N. EUENFELDT. Elaine VIOLÊNCIA sexual e poder : o caso de Tamar em 2 Samuel 13,1-22. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 41, p.42-53, 2002. (Resumo: "A partir de estudos sobre a comida preparada e a roupa que Tamar usa, levanta-se a hipótese de que ela exerce uma função num ritual de cura, ou restabelecimento da saúde. A violência sexual que Tamar sofre se dá no âmbito da casa, num ambiente de conflitividade e luta pelo poder. O perpetrador da violência é um familiar, o irmão, e outros homens da família são coniventes e silenciam a violência. Mas a vítima não é passiva diante da violência, pelo contrário, protesta, grita e torna público o estupro. Mas sua voz é abafada e silenciada. A proposta de análise quer evidenciar as dinâmicas de poderes envolvidas nessa trama de violência e evidenciar o papel ativo de Tamar na luta pela sua dignidade")