O tema "dízimo" é muito discutido aqui no site e tivemos a oportunidade de responder várias perguntas sobre essa questão, dando os fundamentos teológicos e indicando os textos que falam sobre o assunto. Veja a lista das respostas nesse link. Por isso, nessa resposta, não abordo diretamente a questão do dízimo.
A sua pergunta revela um comportamento muito comum em várias comunidades de hoje. A religião é vista como um comércio, coisa que também aconteceu no passado e que foi condenada de forma áspera, suscitando inúmeras divisões na igreja. A dinâmica é a seguinte: você dá um pouco do seu e Deus está ali, esperando esse seu gesto generoso. E como Ele é muito mais generoso do que nós, dará em troca muito mais. Essa lógica supõe que Deus precisa de nossos gestos e que sem eles a sua integridade fica irrealizada. Essa é uma visão muito limitada da onipotência divina. Somos nós que precisamos de Deus. As nossas orações, gestos e obras em nada mudam a natureza divina. Mudam, invés, sim a nós mesmos.
É muito importante sublinhar que a religião não é uma mercadoria de troca. Há pessoas extraordinariamente santas que vivem situações de desgraças pessoais e isso bastaria para provar que a riqueza não é fruto de uma generosidade nas doações. E não podemos argumentar dizendo que a religiosidade dessas pessoas não seja sincera. E quantos ricos existem que não tem nenhuma piedade, que constroem suas riquezas graças a gestos de opressão? A riqueza e pobreza não são ligadas à religião, mas a questões sociais. O que a religião pode fazer e influenciar em modo positivo seja quem é rico, seja quem é pobre. O rico pode, por exemplo, graças às suas convicções religiosas, tornar-se generoso e o pobre suportar o seu sofrimento e lutar para se libertar.
Sobre os textos bíblicos indicados por você, poderíamos lembra dois onde aparece uma menção à retribuição cêntupla.
Mateus 19,29: E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor de meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna.
Marcos 10,30: Que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no século futuro a vida eterna.
Como sempre acontece com os textos bíblicos, essas duas frases precisam ser lidas dentro do contexto. Nunca tome uma frase isolada para apoiar suas ideias!
A primeira frase é a resposta de Jesus à pergunta de Pedro, que pedia que recompensa teriam os apóstolos (veja Mateus,19,27-29). Sabemos muito bem que os apóstolos não se tornaram pessoas ricas; foram mortos pelo Evangelho! Mas temos certeza que foram pessoas realizadas, viveram uma vida intensa, servindo um ideal. Essa é a riqueza da qual fala Jesus nessa passagem.
O texto de Marcos tem o mesmo contexto. A resposta de Jesus, nesse caso, é mais elaborada, mas a mensagem é a mesma.
Em ambos os textos há uma condição muito importante. Mateus fala em deixar tudo "por causa do meu nome" e Marcos diz "por causa do Evangelho". Esse é o parâmetro necessário para a recompensa, que repito, não é material, mas espiritual. Quando deixamos algo, quando damos uma esmola ou pagamos o dízimo, por que fazemos? Qual é a atitude básica que jaz na nossa mente? Desprendimento? Medo de ir para o inferno? Vontade de criar um mundo mais justo? Ou simplesmente desejo de construir-se uma vida melhor pra si mesmo?