O ponto de partida é a certeza de que Deus nunca mandou matar. A violência é completamente estranha a Deus, que é suma bondade. Deus é amor, diz 1João 4,8.
Por outro lado é inegável a presença de textos bíblicos onde fica evidente que mortes são ditas deliberadas por Deus. Por exemplo, um dos grandes pecados de Saul, segundo o autor bíblico, foi o de não ter cumprido a ordem de matar todos os inimigos, poupando o rei amalecita Agag (veja 1Samuel 15). E como esse fato, há inúmeros episódios violentos, protagonizados por personagens considerados sob uma luz positiva dentro da perspectiva bíblica. Essa violência, portanto, é ou não vontade de Deus? Como entender a contradição entre esses atos contrários à nossa moral e a doutrina de Cristo, que nos ensina a amar os nossos inimigos?
O ensinamento de Cristo é o ponto de chegada na linha da revelação divina. Os autores do Antigo Testamento não dispunham de tal iluminação e, por isso, não podiam entender perfeitamente qual era a vontade de Deus. Nesse sentido, dizemos que a revelação de Deus é progressiva: o povo da Bíblia, no decorrer da sua história, aprende o que Deus quer deles. E isso é plenamente visível somente em Cristo. Portanto as histórias do Antigo Testamento servem como percurso para a verdade, que será plenamente manisfestada somente em Cristo. Isso não significa que devemos excluir o Antigo Testamento, todos os textos que contradizem a nossa moral. Eles, como serviram para o povo de Deus entender quem é Deus, são úteis também para nós, para que consigamos acolher plenamente o Reino de Deus trazido por Jesus.
A Bíblia é Palavra de Deus, mas não é ditada por um anjo. É Palavra que passa através da mediação humana, de um autor ou de uma comunidade. Eles colocaram a própria experiência a serviço da revelação. Deus, portanto, serviu-se do ambiente humano para revelar-se. Foi necessário um percurso, um caminho que, aos poucos, iluminou a consciência das pessoas de fé, até chegar na plenitude dos tempos, em Jesus Cristo.
Quando lemos a Bíblia, é fundamental ter consciência desse percurso. Se não seguirmos essa lógica, a nossa leitura bíblica corre um grande risco de estar sendo feito de forma errada.