O CEBI apresenta Maria de Todas Nós, publicação de Claudete Beise Ulrich e Sônia G. Mota. Nesta obra, as autoras propõem-se a apresentar sua fala de mulheres que compartilham seus encontros, desencontros e reencontros com Maria, tendo em vista sua tradição protestante (das autoras).
Claudete, pertencente à Igreja Evangélica de Confissão Luterana, explicita sua relação com Maria, fundamentada em hinos, cantos e músicas que falam de Maria e que acompanharam toda sua vivência de espiritualidade na Igreja Luterana. Sonia escreve sobre as marias de sua infância, adolescência e juventude na Igreja Presbiteriana Unida. Mas ela vai além: busca ouvir a voz de outras mulheres da Igreja Presbiteriana Unida em diferentes lugares e de diferentes idades, perguntando sobre a sua compreensão de Maria.
Os textos apresentados mostram diferentes trajetórias de relação com Maria sob o ponto de vista de cada tradição protestante. Nessas trajetórias, encontramos distanciamentos e aproximações, indagações, identificações e reflexões, mas, sobretudo, as reelaborações e os reencontros mais pessoais e autônomos de mulheres que conseguiram alcançar a liberdade das demarcações institucionais e das crenças religiosas dogmatizantes.
Acompanhe o bate-papo com a autora SÔNIA G. MOTA e saiba mais sobre suas motivações, sobre o conteúdo e suas possibilidades de leitura/aplicação em nosso cotidiano:
CEBI: De que maneira sua formação teológica e experiência pastoral influenciam sua relação com Maria?
Sônia: A relação que tenho, hoje, com Maria, agradeço muito à minha formação teológica. Quando fiz meu curso de teologia no final dos anos 80 e início dos 90, comecei a fazer leituras e participar de grupos e encontros de Teologia Feminista. Minha formação presbiteriana havia me apresentado uma Maria completamente silenciosa, assexuada e submissa.
A partir dos textos que li, dos encontros e cursos que participei, percebi que a construção desta figura de Maria tinha a intencionalidade de uma apropriação e regulamentação dos nossos corpos, da nossa sexualidade e da nossa autonomia enquanto mulheres. Então fui desconstruindo aquela imagem e descobrindo outra Maria: A mulher que era pobre e sofrida, que se identificava profundamente com o sofrimento humano, porque fazia parte da população pobre e oprimida, uma mulher capaz de romper costumes que aceitou fazer parte de um projeto de libertação. Uma mulher capaz de agir em solidariedade com outras pessoas com total autonomia.
Mais tarde, em minha experiência pastoral, trabalhando junto a grupos de mulheres da minha e de outras tradições religiosas, fui descobrindo que aquela Maria lutadora, forte, subversiva, solidária, que sofreu ao ver seu filho morto injustamente, ainda está muito presente entre nós. Nestes grupos, diversas vezes foi preciso fazer a leitura do Magnificat para fortalecer a luta, reforçar a autonomia e manter a esperança de muitas mulheres.
CEBI: Quais práticas e posturas podem ser lidos em Maria para exemplo e inspiração do povo em nossas comunidades?
Sônia: Nas minhas releituras sobre Maria, fui conhecendo uma mulher que tem muito a nos ensinar e inspirar, especialmente no nosso contexto latino-americano.
Penso que, se conseguirmos romper com a figura da virgem mãe, cabisbaixa e silenciosa, que "acolhe tudo em seu coração", vamos encontrar uma mulher de carne e osso que nos inspira e motiva, um exemplo para todas nós.
Maria é uma mulher forte que enfrentou as lutas do cotidiano pela sobrevivência: fazia parte da população que vivia em um contexto de pobreza e opressão; uma mulher corajosa e de fé que, por conhecer bem a realidade em que vivia e, apesar de todo contexto desfavorável, aceitou uma missão difícil para ajudar em um processo de libertação: ser a mãe de Jesus. Também é uma mulher que é solidária e comprometida com sua gente e que canta a libertação mostrando que o projeto de Deus é outro, a profetisa que motivou Jesus a realizar seu primeiro milagre. É discípula que não abandonou ou fugiu quando as coisas ficaram difíceis, e acompanhou o sofrimento e morte do filho, morto injustamente. É a líder que estava presente na fundação da primeira comunidade em Jerusalém.
CEBI: Como é para uma pessoa protestante falar de Maria e ao mesmo tempo buscar o ecumenismo?
Sônia: Considero isto plenamente possível. Para nós, protestantes, Maria é mãe de Jesus, uma mulher fundamental para o cristianismo. Nós não temos o culto a Maria, mas reconhecemos nela uma figura essencial do cristianismo. Como pastora, comprometida com o ecumenismo e com a teologia feminista, busco fortalecer a imagem de uma mulher que ousou, apesar das limitações que sua época impunha. O compromisso ecumênico me impulsiona a dialogar com outras tradições religiosas e ajudar a desconstruir discursos que usam a figura de Maria para oprimir e silenciar as mulheres.
Sônia G. Mota é teóloga e pastora da Igreja Presbiteriana Unida.