Na verdade, como repetimos outras vezes, a criação não aconteceu, fisicamente, como contado na Bíblia. A narração bíblica da criação é uma interpretação da vida sobre a terra, feita pelo escritor inspirado por Deus. O que a Bíblia diz não é falso, mas é uma verdade fundamental, que ultrapassa um fato histórico único. A criação foi um processo e não aconteceu em uma semana. Como tudo nasceu é um mistério e, para nós crentes, não podemos ignorar a presença de Deus neste mistério.

Portanto, Deus não adormeceu fisicamente o homem (Adão) e fez uma operação para tirar uma costela com a qual teria criado a mulher (Eva). Apesar disso esse modo de narrar do autor bíblico nos transmite uma mensagem de suma importância, que poderíamos definir como elementos fundamentais da antropologia bíblica.

Primeiro de tudo é importante notar que ao primeiro homem foi dado o nome de Adão. Na verdade, em hebraico, temos a palavra "ha- "adam", ou seja, o artigo "o"e o substantivo "adam", que significa "homem". Por isso é evidente que estamos diante de uma figura arquétipa e não de uma personagem singular. Ele encarna a realidade que une todos nós: a humanidade, o fato de pertencermos ao gênero humano. É nessa luz que se esclarece o fato que Paulo contraponha o primeiro homem com Cristo: o ser humano pecador com o redentor da humanidade.

Em relação à "costela", a verdade ensinada é que o ser humano é caracteristicamente existente em relação: não é uma célula isolada, mas alguém que comunica, que ama, que se encontra. É por isso que se diz que a pessoa (Adão) é completo quando encontra "uma ajuda que lhe seja símile", pois "não está bem que a pessoa (Adão) esteja só"(Gênesis 2,18). Em hebraico, literalmente, diz "uma ajuda que lhe esteja diante". Isso quer dizer: com os olhos nos olhos, em igualdade de comunhão. É por isso que é usado o símbolo da "custela", que indica que a substância existente entre o homem e a mulher é comum. Isso é ulteriormente indicado pela frase presente em Gênesis 2,23, quase intraduzível: "Ela será chamada "isshah" porque foi tirada de "ish""(Bíblia Almeida: esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada). É evidente que se trata de um único nome, um no feminino (isshah) e outro no masculino (ish). E isso indica, repetindo, o tecido comum que une o homem e a mulher, "carne da minha carne, osso dos meus ossos".

Além disso é importante lembrar também Gênesis 1,27: E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Esse paralelo entre "imagem de Deus"e "homem e mulher"mostra que a "marca" divina não está apenas no homem, mas em ambos.