Este é um assunto muito interessante e apaixonante. Devagarinho vamos descobrindo que por trás da Bíblia que temos em mãos há um caminho longo, até há pouco tempo completamente ignorado. Essa descoberta, sem dúvidas, ajuda a compreender a riqueza da Bíblia, embora possa também esconder qualquer armadilha. Há muitos que se preocupam com as traduções da Bíblia porque querem justificar certas suas incongruências, sublinhando que aquilo que lemos não é a verdadeira bíblia. Esse é o grande perigo e o estudo dessa questão não pode ter esse pano de fundo, pois significa que se parte com um preconceito, que certamente não nos ajudará a tirar conclusões sóbrias.
Começo dizendo que aqui no site há já vários textos sobre esse argumento. Você pode ver a lista e enriquecer o seu estudo.
A bíblia foi escrita há muitos séculos. Quase todo o antigo testamento foi escrito em hebraico, com poucos textos em aramaico. 7 livros do Antigo Testamento presentes na Bíblia católica foram escritos em grego. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego. Portanto, as línguas originais da Bíblia são o hebraico, aramaico e grego.
Traduções para o Grego e o Latim
Já antes que Cristo nascesse, o Antigo Testamento tinha sido traduzido, para o aramaico e para o grego. A tradução dos livros do Antigo Testamento escritos em hebraico e aramaico foram traduzidos para o grego em Alexandria, pois os judeus que ali viviam não conheciam mais o hebraico e era necessário um texto na língua que usam então. Essa tradução é muito famosa e é conhecida como a Tradução dos Setenta (LXX). Foi a Bíblia usada pelos cristãos, pela igreja primitiva - Veja detalhes aqui sobre a história da LXX.
Depois de Cristo, uma tradução muito importante foi feita por Jerônimo, conhecida como "Vulgata". Foi a tradução de toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamentos, para o latim. Para o Antigo Testamento, embora tivesse consigo o texto hebraico, Jerônimo usou sobretudo o tradução da LXX. A Vulgata foi a Bíblia oficial da Igreja Católica até o Concílio Vaticano II e teve grande influência em toda história da teologia e da liturgia cristã.
Traduções para o Português
Depois dos primeiros séculos, as traduções da Bíblia em língua vernácula começaram somente a partir da Idade Média. O pioneiro, em relação à língua portuguesa, é João Ferreira Almeida, que produziu, no século XVIII a bíblia conhecida como "Almeida" (veja aqui sobre a história da tradução da bíblia para o português). Há poucos dias foi noticiado que a Sociedade Bíblia está prestes a revisar essa tradução
Hoje, em português, existem diversas traduções, seja no âmbito católico que protestante e são traduções muito boas.
Tipos de tradução
Existe muita diferença em fazer uma tradução de um texto a partir do original ou a partir de uma tradução. Se o primeiro tradutor cometeu um erro, esse erro foi passado também para a segunda tradução e provavelmente a esta se acrescentaram outros.
Hoje em dia as traduções são frutos dum trabalho minucioso e confiável, realizado por biblistas experientes e escrupulosos. Você pode, por exemplo, ver a história da tradução da Nova Tradução na Linguagem de Hoje ou aquela chamada Tradução Ecumênica da Bíblia, para citar duas obras que tem o valor reconhecido.
Contudo existe ainda hoje, nas livrarias, traduções bíblicas que não são muito confiáveis. Há edições de traduções antigas, que são livres de direitos de autor e por isso a sua impressão custa barato. Se você tem em mãos a tradução Almeida feita em 1753, com certeza não vai lhe ajudar muito, pois o português nem sempre é compreensível. Há edições de bíblias que custam muito, pois usam papéis especiais, com desenhos que parecem enriquecer o valor da bíblia, mas na verdade contém um texto que não é muito confiável. Cabe a cada um de nós analisar de onde vem a versão da Bíblia que estamos comprando. Normalmente essas indicações se encontram nas primeiras páginas do livro. Se não se diz nada, é provável que o texto não é moderno. Uma boa versão, além do texto traduzido dos originais, oxalá por exegetas conhecidos, é acompanhada também por introduções e notas explicativas. Esses recursos podem ajudar muito na leitura da bíblia.
Existem versões tendenciosas?
A maioria dos leitores não se dá conta que o texto que tem nas mãos é uma tradução e para ele aquilo ali é a Bíblia. Se o tradutor errou, a mensagem passa como verdadeira. O costume, em algumas igrejas, de se aconselhar o uso da mesma edição não ajuda a desmascarar as versões tendenciosas. Se no meio da assembleia existissem diferentes versões, as pessoas começariam a criar uma visão crítica, buscando versões mais bem feitas.
Quem traduz está continuamente diante de um dilema: precisa ser fiel, ao mesmo tempo, ao texto original e à língua para a qual verte o texto. Esse é o problema maior. O meu professor de hebraico, quando nos interrogava, começava sempre dizendo: “como você traduziria essa frase para a sua mãe”. Com isso ele queria nos motivar a render o texto hebraico claro para quem leria a tradução. Mas não é fácil, pois os conceitos mudaram e aí o tradutor precisa tomar uma decisão sobre o termo que usará, se simplesmente traduzir a palavra ou ‘explicar’. E daí surge a questão: essa eventual ‘explicação’ é Palavra de Deus ou palavra do tradutor?
Não me refiro a traduções grotescas, aonde o texto vem de propósito adulterado, seja por questões ideológicas ou por questões de ignorância, mas penso em problemas modernos, como é, por exemplo, a questão do gênero. No texto sobre a criação, em Gênesis 1,27 lemos, literalmente: “Deus criou o homem (em hebraico “adam”) à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”. Depois de toda a conquista das mulheres na sua luta contra a prepotência masculina, é correto traduzir usando ainda a palavra “homem”? Ou seria melhor usar “ser humano”, como fazem algumas versões? O uso de uma ou de outra palavra, com certeza, condiciona o leitor, mesmo inconscientemente. O tradutor não pode ficar em cima do muro; tem de fazer uma escolha. Essa é a coisa mais complicada para ele.