Conflitos de Jesus com os Escribas/Fariseus no Evangelho de Marcos.

Prof. Odalberto Domingos Casonatto

 

Encontramos no capítulo primeiro de Marcos sete sinais, que dão início a vida pública de Jesus, e resume praticamente todo o evangelho. Os capítulos 2 e 3 abrem com o primeiro conflito dos sete que encontramos no evangelho entre Jesus e os escribas/fariseus que zelavam pela Lei judaica. Constatamos por duas vezes o número 7, nos primeiros capítulos de Marcos considerado biblicamente como o número da perfeição. O povo bíblico não dava aos números um significado matemático ou racional, mas sim um sentido mais amplo e simbólico. Assim constatando o número sete para milagres e para conflitos, nosso olhar deve ultrapassar o número sete como quantidade acabada, mas sim que Jesus realizou durante a sua vida publica muitos milagres e com as autoridades do judaísmo em especial fariseus e escribas aconteceram muitos conflitos, não apenas estes sete descritos no evangelho. No olhar que daremos aos conflitos poderemos constatar duas verdades:

- Os que repeliram o ensinamento de Jesus foram sempre às autoridades judaicas defensoras do Judaísmo.

- os que receberam benefícios com a ação e atividade de Jesus foram os pobres e os que estavam à margem do sistema judaico do puro e do impuro.

Assim pouco a pouco iremos descobrir os projetos que aparecem no texto do evangelho:

- O projeto do Povo guiado por Jesus

- O projeto das elites que queriam manipular o pensamento do povo.

Assim durante seu ministério durante a vida pública, todas as ações empreendidas em favor do povo, encontrava resistência das autoridades judaicas, que mantinha uma situação de faixada com o Império Romano. As ações de Jesus em favor dos que estavam excluídos da sociedade sempre foram consideradas como impróprias e conflitantes.

 

Como entender os conflitos que enfrentou Jesus.

 

Sugerimos utilizar uma chave de Leitura que facilitará a compreensão dos conflitos:

Qual seria esta chave de leitura?

A ação de Jesus em Marcos é em favor dos pobres e marginalizados da sociedade da época. As ações de Jesus comprovam quem Ele é verdadeiramente. Jesus não é simplesmente um reformador social, como tantos que surgiram na sua época, mas ele é o Cristo/Messias esperado pelos Judeus é o filho de Deus enviado pelo Pai (conf. Mc 1,11).

Na compreensão mais ampla desta chave de leitura do evangelho de Marcos podemos utilizar algumas perguntas para entender cada um dos conflitos:

- Jesus conflitou com quem?

- Quais foram os motivos do acontecido?

- Como o povo vivia?

- O que Jesus faz e que gera oposição?

- A ação de Jesus trouxe beneficio para quem?

- Resultado final do conflito.

 

Primeiro conflito – Jesus e o Perdão dos pecados Mc 2,1-12

 

Para os escribas existia somente uma norma para o perdão dos pecados: “Só Deus pode perdoar pecados”. O sistema judaico seguia este caminho para alguém receber o Perdão de seus pecados: deveria ir até o templo de Jerusalém e ofertar um sacrifício de animais. Os fariseus assim pensavam, pois conheciam muito bem o que dizia a lei:

“...quem pode perdoar os pecados a não ser o Deus único?”(Marcos 2,7) Bíblia de Jerusalém.

E isto só podia acontecer através do serviço do Templo através dos sacerdotes.

Neste episódio acontece algo novo, Jesus perdoa os pecados sem mesmo que a pessoa tenha que se dirigir ao Templo e fazer ofertas e sacrifícios. O fato torna-se polemico os escribas não aceitam as palavras de Jesus e viam nesta atitude de Jesus alguém que queria destruir os fundamentos da organização religiosa e política do Templo. A preocupação dos escribas, conhecedores da lei era simplesmente conservar o cumprimento da lei judaica. Jesus ao contrário vê o sistema de morte que a lei subjugava o povo e se preocupa com a vida e a saúde das pessoas. Jesus esta agindo em nome de seu Pai e começa a tratar de modo diferente os que eram considerados pecadores. (Lembro o fato que a doença na concepção judaica esta ligada ao pecado).

A narrativa de Marcos capítulo 2 conclui com a frase do vers. 12:

“...de sorte que todos ficaram admirados e glorificavam a Deus dizendo: Nunca vimos coisa igual” (Evangelho de Marcos 2,12) Bíblia de Jerusalém.

 

Segundo conflito – Jesus come com os pecadores Mc 2,13-17

O conflito se dá pelo fato de Jesus não se importar em caminhar com os pecadores e muito menos de ir a suas casas e se assentar na mesma mesa para se alimentar. O acontecimento alcança a dimensão de conflito porque se refere a um cobrador de impostos. Na sociedade judaica os cobradores de impostos eram desprezados por que serviam ao Império Romano e sempre sonegavam para eles certas quantias de impostos. Passavam a serem pecadores públicos. Durante a refeição na casa de Levi, onde se reuniram também os pecadores e publicanos, Jesus responde aos escribas dos fariseus, depois de ouvir suas reclamações:

“...Eu não vim chamar justos, mas pecadores.” (Evangelho de Marcos 2,17 Bíblia de Jerusalém.

Em outras palavras Jesus quer dizer eu não vim para vocês que se consideram justos na sociedade, mas para aqueles que são desprezados e considerados pecadores. Neste ponto Jesus fala de sua missão.

 

Terceiro conflito – Jesus não jejua e quebra com o judaísmo Mc 2,18-22

 

O Jejum era um tempo de espera ou mesmo de demonstração de piedade. Os judeus acreditavam que fazendo jejum aproximariam com rapidez a chegada do messias. Os seguidores de João Batista jejuavam pelo menos uma vez por semana e Jesus é criticado porque seus discípulos não jejuavam, alegando que Jesus o Messias estava presente. O fato vem demonstrar que o sistema religioso Judaico se apega a prática das leis, e pouco se importava com a situação das pessoas. Neste conflito de Jesus com os fariseus Ele diz:

“Ninguém faz remendo de pano novo em roupa velha; porque a peça nova repouxa o vestido velho e o rasgo aumenta” (Evangelho de Marcos 2,21) Bíblia de Jerusalém.

Com estes exemplos do “remendo e do vinho novo” Jesus quer dizer que sua vinda exige mudança total nas pessoas, na política, na economia e na religião e não apenas querer fazer pequenos remendos nas leis ou na consciência das pessoas.

 

Quarto conflito – Jesus e o trabalho realizado em dia do sábado Mc 2,23-28

 

Para o judaísmo o dia do sábado era sagrado. Era uma instituição. A observância da lei do sábado estava acima de tudo, até mesmo da pessoa humana. O problema que ocorre é que os discípulos passando pelos trigais da Samaria colhiam espigas de trigo. Esta atividade era proibida por lei, e não era permitido preparar alimento em dia de sábado ou mesmo trabalhar.

Jesus quer justificar esta ação dos seus discípulos retrucando para os fariseus usando um fato bíblico conhecido. Jesus recorda a passagem em que Davi junto com seus companheiros estando com fome violara a lei do sábado. Jesus mais ainda conclui que é permitido violar a lei do sábado em caso de necessidade ou fome. Dizendo que a lei e a observância do sábado estão a serviço do homem. Existem e estão a serviço do homem e não estão contra o homem. Querer observar irrestritamente esta lei, seria o mesmo que não se alimentarem naquele dia. Confiramos o texto de Marcos:

“27 Então lhes disse. O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, de modo que o filho do homem é senhor até do sábado.” (Evangelho de Marcos 2,27) Bíblia de Jerusalém.

 

Quinto conflito – Jesus cura em dia do sábado Mc 3,1-6.

 

Na cura do doente Jesus entra em conflito com os fariseus, devido à observância da lei do sábado. Repete-se nesta cura o fato ocorrido no quarto conflito. Os fariseus veem em Jesus, alguém que desrespeita a lei e faz um trabalho. Novamente Jesus entra em diálogo com os fariseus e questiona se é permitido fazer o bem ou o mal, curar ou matar as pessoas. O texto assim esclarece:

 

“4 E perguntou: É permitido, no dia de sábado, fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou matar? Eles porem se calaram” (Evangelho de Marcos 3,4) Bíblia de Jerusalém.

 

Os Judeus ouvem atentamente as interpelações de Jesus e nada respondem, o que os torna culpados, porque sabem muito bem o que todo o judeu observante deve fazer.

Jesus continua sua atividade e cura o doente, justificando que a vida humana e muito mais importante do que a observância do trabalho no dia do sábado e que para salvar a vida humana se pode violar a lei. Permanecendo numa posição farisaica ou querendo procrastinar para o amanhã a prática que gera vida, estamos optando e aceitando hoje a morte. Jesus nos indaga para uma ação prática não teórica: o que devemos fazer de imediato hoje.

 

Sexto conflito - Jesus age em nome de Belzebu Mc 3,20-30.

 

Jesus entra em conflito com os escribas. A maneira de Jesus agir era muito estranha para os escribas. Procuravam um argumento forte para que toda a fama de Jesus vinda das curas, milagres e discursos convincentes fosse paralisada. Queriam condenar a Jesus pelo convencimento de sua argumentação em que Jesus dizia que tudo isto tem a força de seu Pai, Deus. Pelo contrario os escribas afirmam que a atividade e ação de Jesus vem inspiradas por Belzebu e pela força e poder do chefe dos demônios.

“22 Os escribas que haviam descido de Jerusalém diziam: Belzebu está nele, e também: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios” (Evangelho de Marcos 3,22) Bíblia de Jerusalém.

As ações e obras de Jesus acontecem pela força e o poder do Espírito Santo. Jesus fala aos escribas completando, que Ele não realiza suas ações por Belzebu. E completa como Satanás expulsaria o próprio Satanás, ele estaria se destruindo a si mesmo. Jesus condena a acusação feita contra ele que seria um pecado sem perdão e contrapõe dizendo a blasfema contra o Espírito Santo é o único pecado que dura para sempre e que os errados seria eles que estavam o acusando.

 

Sétimo conflito - A família de Jesus - Mc 3,31-35.

 

O capítulo 3 de Marcos encerra com sétimo conflito de Jesus com os escribas. O assunto é sua família. O Judaísmo dá muita importância à família de sangue. É pela Mãe que vem a descendência. Jesus quebra os laços familiares de sangue é anuncia para si uma nova família.

Reúnem-se em torno da casa em que Jesus está sua mãe, seus irmãos e estão à espera de Jesus. Comunicam a Jesus que seu grupo familiar esta fora da casa a sua espera. Então Jesus diz para eles:

“34.... Eis a minha Mãe e os meus irmãos. 35Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão e mãe.”(Evangelho de Marcos 3,34-35) Bíblia de Jerusalém.

Embora os fariseus e os de sua família colocam resistência em aceitar seu projeto, outra parte da sociedade os excluídos, os marginalizados, os cegos, os paralíticos, as mulheres  e os discípulos passam a serem seguidores de seu Projeto

 

Fontes de consulta:

Balancin, E. M., Como ler o Evangelho de Marcos, Paulinas - São Paulo, 1991.

Arquidiocese de Porto Alegre, Jesus no Evangelho de Marcos, Animação Bíblica da Vida Pastoral, edições Calábria - Porto Alegre, 2012.

JEREMIAS, Joachim, Jerusalém no tempo de Jesus, pesquisa de história econômica social no período neotestamentário, Nova Coleção Bíblica, vol. 16, Paulinas - São Paulo, 1983.

CEBI, Introdução Geral aos Evangelhos, Evangelho de Marcos e Mateus, Roteiros para Reflexão VII, Cebi - São Leopoldo, 1998.

CRB, Seguir Jesus: Os evangelhos, coleção tua palavra é vida 5, Edições Loyola - São Paulo, 1994.

CASONATTO, O. D., Como ler o Novo Testamento, subsídios para aulas no Instituto de Teologia de Passo Fundo, RS (ITEPA), Passo Fundo, 1996.