Realmente, comparando textos bíblicos, sobretudo aqueles mais antigos do primeiro testamento com os mais recentes, do Novo Testamento, nos deparamos com algumas posições que parecem contraditórias. A mais evidente é o aspecto da violência. Há algumas passagens da história de Israel onde parece que as guerras, as mortes e até mesmo homicídios eram deliberados por Deus. O povo fazia guerra e Deus era o seu General! Pensamos, por exemplo, no anjo de Deus que, no Egito, passa e mata todos os primogênitos do inimigo (veja Êxodo 12,29) e também na ordem que se acreditava dada por Deus de matar todos os inimigos, depois da guerra (herem). No Novo Testamento, invés, Jesus se apresenta como alguém que descarta a violência: a quem ti ferir numa face, oferece a outra; a quemte arrebatar o manto, não recuses a túnica (Lucas 6,29).

A pedagogia divina

Para dar uma resposta a esta questão é fundamental considerar o Antigo Testamento como um conjunto de texto que foram escritos durante um período de tempo de cerca um milênio, por um povo que percorreu um percurso de desenvolvimento cultural e religioso. Na cultura semítica, por exemplo, aquilo que era conquistada através da guerra era destinado ao chefe. Os israelitas, crentes em Deus, interpretam isso à luz da própria fé: sacrificam, portanto, a Deus aquilo que conquistam com a guerra, pois Ele é o seu chefe, o único ao qual se possam atribuir as vitórias militares do povo (veja números 21,1-3).

Do ponto de vista teológico, essa passagem é importante: Deus entra dentro da história de um povo, assumindo sua cultura e categorias morais, que são muito diversas das nossas. Todavia, Deus não dá legitimidade a esses modos, mas procura fazer com que o povo cresça, desenvolva-se. Isso fica muito claro nas palavras do livro da Sabedoria, cronologicamente o último livro do Antigo Testamento (presente só nas bíblicas católicas): Por isso, pouco a pouco corriges os que caem, e os admoetas, lembrando-lhes as faltas, para que, tendo-se afastado do mal, creiam em ti, Senhor! (Sabedoria 12,2).

Concluindo

É preciso ter consciência que no Antigo Testamento existem elementos "imperfeitos e transitórios" (Dei Verbum 15), que a pedagoria divina não podia eliminar de repente. O povo é iluminado pela revelação divina aos poucos, lá onde se encontra, no próprio mundo, para, em seguida, ser conduzido à vontade divina, devagar, num percurso histórico lento, que se realiza plenamente através de Jesus Cristo.