Muitas pessoas se diregem a nós, aqui no site, pedindo orientações sobre situações complicadas de convivência. Em muitos casos, as pessoas mais capazes de dar uma resposta são psicólogos, orientadores de vida familiar ou até mesmo assistentes sociais. E nós nos sentimos um tanto limitados, pois as perguntas transcendem ao campo da nossa atuação. Em tudo isso, todavia, há um aspecto muito positivo: os cristãos que se dirigem a nós têm a impressão de que a Palavra de Deus pode e deve orientar cada passo que damos na nossa vida. Essa atitude faz lembrar o profeta Isaías que no capítulo 55 diz:
Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, sem terem regado a terra, tornando-a fecunda e faznedo-a germinar, dando semente ao semeador e pão ao que come, tal ocorre com a palavra que sai da minha boca: ela não volta a mim sem efeito; sem ter cumprido o que eu quis realizado o objetivo de sua missão (Isaías 55,10-11).
Há, por outro lado, um limite em tal busca: a impressão de que tudo é feito por Deus, inocentando-nos das nossas ações, relativizando o grau de responsabilidade pessoal. A Palavra de Deus nos orienta, é um farol, uma bússola que indica a direção. A nossa vida, porém, nem sempre toma o caminho indicado por ela. É claro que a culpa não é apenas individual, pois convivemos e somos sociedade, dependendo de fatores que ultrapassam a própria decisão. Isso é evidente na vida de um casal, onde são ao menos dois a decidirem a estrada a ser tomada. Quantas vezes uma pessoa que convive gostaria de arrumar a situação, casar legalmente, mas a outra não tem nenhum interesse em fazer isso. E, existindo amor, aquele que queria ajeitar tudo acaba cedendo. É claro que seria ingenuidade atribuir a 'culpa' unicamente a um dos dois. Quando há problemas, existe um concurso de culpa que, às vezes, não se limita ao casal, mas também a círculos familiares muito mais largos.
Muita digressão, e nenhuma resposta, não é verdade? Sei disso, mas repito que não é fácil julgar questões como essa que você põe. Hoje, na missa, escutei Evangelho onde Jesus é chamado para julgar um caso de alguém que não queria dividir a herança com o seu irmão (Lucas 12,13-21). Jesus lhe responde: "quem me fez juiz ou mediador sobre vocês?" É claro que Jesus não ignora a pergunta, mas, depois de dar a resposta citada acima, acrescenta:
Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens".
Que ensinamento podemos tirar, confrontando essas duas situações, os problemas na relação entre homem e mulher e as palavras de Jesus ao homem que queria que ele intecedesse na questão da herança?
Jesus, no texto citado de Lucas, não está excluindo a questão da herança, que faz parte da vida quotidiana do ser humano. Ele não se abaixa ao nível elementar, mas propõe uma reflexão mais larga, subindo de patamar, olhando o espírito com que alguém se coloca diante dos bens. É por isso que poderíamos concluir que a Bíblia não ignora situações difíceis de convivência, mas não a julga simplesmente. Convida os envolvidos a levantar os olhos e olhar mais longe. Olhar para onde? No site existem tantos textos inerentes ao casamentos, respostas que mostram o que a Bíblia diz sobre o casamento, de como, para Deus, a união é um compromisso para toda a vida entre duas pessoas, expressão do amor que é indissolúvel (veja principalmente Mateus 19,1-9). Esse horizonte ideal não impede que existam situações aquém dessa meta, mas a Bíblia mostra, indiscutivelmente, que há uma estrada a seguir e cada um, dentro das condições inerentes à situação humana, deve buscá-la com todo o coração, tomando as decisões adequadas a que essa realidade se consolide.
Atrevo-me, finalmente, a dizer uma palavra pessoal ao seu caso. É evidente que a sua relação, com a traição, revela um caso de injustiça do seu marido em relação a você e seus filhos. Não é justo que você sofra tudo isso, pois lhe coloca numa situação de sofrimento. É importante que você saiba que a Palavra de Deus desmascara essa injustiça, mas infelizmente não tem uma resposta pronta. É você que deve percorrer a sua estrada, tomando decisões, oxalá ajudada por pessoas que conhecem bem o seu estado e todas as consequências que podem derivar de tal posição.