É uma pergunta muito recorrente aqui no site. A Bíblia conta a história de Caim como você resumiu. Podemos conferir em Gênesis 4.
A pergunta básica é "com quem Caim casou?" e uma resposta não existe.
Desde o iluministo muitos usaram essa pergunta para dizer que não é verdade que a Bíblia não erra. Pois, da narração bíblica parece que os únicos filhos de Adão e Eva foram Caim e Abel. E então de onde teria vindo uma eventual esposa de Caim? E se depois da morte de Abel os únicos seres humanos na terra eram Adão, Eva e Caim, por que esse último tinha medo que alguém o matasse e por isso se tornou "errante", fugindo (veja Gênesis 4,14)? Quem o poderia ameaçar?
Obviamente, se fazemos uma leitura fundamentalista que retém que todos os descendentes vieram de Adão e Eva, é óbvio que a esposa de Caim tinha que ser uma sua irmã. Esta, de fato, foi a resposta dada seja por cristãos que por judeus, no passado. Os rabinos, nos comentários do Gênesis, dizem que Caim casou-se com uma das duas gêmeas nascidas com Abel.
Nesse dias li um artigo interessante, que poderia dar uma resposta, embora pessoalmente acho que não é a resposta correta.
Mary Joan Winn Leith publicou na Revista da Biblical Archaeological Society um artigo, em inglês, com o título "Com quem Caim se casou?". Ela, analisando teorias de sociologia, diz que, no passado, cada grupo étnico tinha a tendência de julgar-se único no mundo. Cita o exemplo dos judeus que se consideravam "os circuncisos", enquanto que quem não era judeu era simplesmente "incircunsiso". No egito, os egípcios se consideravam os únicos humanos. Quem não era egípcio era considerado não humano, "sub-humanos", bárbaros, como animais. Nessa linha, a autora diz que com certeza os judeus contando a história dos ancestrais sabiam da existência de outros povos, mas não eram considerados humanos; faziam parte de uma sub-espécie. Como Caim matou o irmão, ele foi banido dessa classe privilegiada e então pode encontrar os outros povos, onde encontrou a sua esposa.
Essa teoria pode ser útil para abandonar a leitura fundamentalista, que nos dá tanto conforto, mas que certamente é uma estrada errada. Todavia a leitura dessa autora tem seus limites, pois não explica outros aspectos do início do Gênesis, como a criação do nada.
Como ler Gênesis
O problema é que queremos salvar, de qualquer modo, a nossa leitura fundamentalista. Na verdade o que o livro do Gênesis conta não é história, mas uma leitura ditada pela fé do povo de como o autor bíblico imaginou que tivesse acontecido a criação. Ele não tinha elementos científicos para criar seu conto, mas somente aspectos mitológicos. Usou os elementos disponíveis e os iluminou com a sua fé. Se tentarmos ler essa narrração como uma história, no sentido moderno, não consiguiremos nunca entender bem o texto e a mensagem bíblica.
Por trás da história narrada existem elementos mitológicos, que o povo de Deus tomou emprestado das civilizações vizinhas para transmitir a própria compreensão da natureza e da criação, que era distinta daquela dessas civilizações. A mensagem central, presente no texto sagrado, é que tudo foi criado por Deus, que colocou o ser humano como centro da sua obra, reservando a ele um destino precioso. Através da sua palavra, deu ao ser humano instruções que garantiam a sua felicidade (o paraíso), mas, ao mesmo tempo, o deixou livre. Graças à liberdade, grande dom divino, houve o pecado, que levou o ser humano ao homicídio e a todas os outras formas de afastamento de Deus. Com palavras secas e duras, poderíamos afirmar que historicamente Adão e Eva, com os filhos Caim, Abel e Set não existiram.
Não pare aqui, leia mais sobre a interpretação dos primeiros capítulos do Gênesis.