A presença da mulher nas Comunidades Paulinas.
Prof. Odalberto Domingos Casonatto
Profa. Dra. Rosalir Viebrantz
Ao escrever sobre este tema “A presença da mulher nas Comunidades Paulinas”, não temos a pretensão de levantar mais uma vez a questão do chamado “antifeminismo Paulino”, mas encontrar elementos nas 14 cartas paulinas da participação ativa da mulher na obra de evangelização desenvolvida por Paulo. De forma nenhuma quereremos exaltar a atividade da mulher nas comunidades, mas mostrar que tanto mulheres como homens devem trabalhar juntos na construção do Reino de Deus.
É importante lembrar, desde o início, que o apóstolo Paulo não era um teólogo sistemático, ou que seus escritos tivessem todos os elementos de um tratado teológico. Ele nunca formulou uma "teologia da mulher". Suas cartas são mais de natureza pastoral, exortativas, dirigidas às necessidades e perguntas específicas de comunidades. Além disso, Paulo foi um homem de sua época, educado na cultura grega e moldado pelas atitudes patriarcais das culturas greco-romana e judaicas para as mulheres. Não podemos ter a pretensão que Paulo pensasse do nosso modo.
A grande pergunta a respeito de Paulo em relação à presença da mulher nas comunidades nasce dos textos paulinos das cartas. Em particular lembramos alguns textos que nos colocam muita dificuldade de interpretação e mais ainda nascem muitas perguntas e dúvidas naqueles que se preparam para o ministério nas comunidades. Lembramos alguns citações e seus textos:
“As mulheres estejam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor, 23 porque o homem é a cabeça da mulher, como a Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do corpo. 24 Como a Igreja esta sujeita a Cristo, estejam às mulheres, em tudo sujeitas aos seus maridos.” (Efésios 5,22-25) Bíblia de Jerusalém.
Esta citação e usada com freqüência em cerimônias de casamento e como é difícil de interpretá-la e entende-la.
A Carta aos Colossenses, na parte da parênese da carta que fala da moral doméstica afirma:
“Vós mulheres submetei-vos aos maridos, como convém no Senhor” (Colossenses 3,18) Bíblia de Jerusalém.
E na Primeira Carta a Timóteo:
“Durante a instrução a mulher conserve o silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine, ou domine o homem, Que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.” (1 Timóteo 2,11-14)
Na Primeira Carta aos Coríntios: “As mulheres estejam caladas nas assembléias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem ser submissas.” (1 Cor 14,34-35)
Estes são os textos fundamentais que São Paulo é julgado como misógino (homem que sente aversão a mulher) e responsável pela situação de submissão das mulheres na Igreja e na sociedade. Mas olhando para além do nosso tempo voltando ao tempo de Paulo, com sua cultura e valores podemos afirmar que este preconceito é negativo é injusto. Sob ponto de vista histórico os textos acima citados, que são usados para acusar a Paulo não têm nada com o pensamento e o caráter de Paulo. Um argumento aceito por muitos estudiosos do Novo Testamento é que estes textos que apresentam a mulher com as características que vimos propriamente pertencem às cartas chamadas deutero-paulinas isto é, foram escritas por secretários de Paulo, chefes de comunidades que se utilizaram da autoridade de Paulo para enviar estas cartas para as comunidades. Das quatorze cartas Paulinas que encontramos no Novo Testamento, sete são consideradas deutero paulinas (Ef, Cl, 2ª Ts, 1ª Tm e 2ª Tm, Tt e Hb).
Além deste argumento que é significativo ainda podemos dizer que este texto foi escrito há dois mil anos, e nele estão retratadas vivências, acontecimentos da cultura daquela época. Portanto querer ignorar este fato é não dar a verdadeira interpretação do texto escrito e querer absolutizar o texto como última possibilidade de explicação.
Outro elemento preponderante é que a posição da mulher cristã nos diferentes ambientes da época, grego-pagão, helenístico, judaico é subordinada ao homem, a chamada família patriarcal, que limitava a participação da mulher dentro do seu lar excluindo a participação social e pública.
Assim as mulheres que se destacam nos livros bíblicos são por que realmente tem muita liderança e fé. Elas conseguem superar as barreiras de sua época.
No texto das Cartas Paulinas encontramos quatro grupos de mulheres que participaram ativamente das Comunidades Paulinas:
1 - as colaboradoras de Paulo,
2 - as viúvas,
3 - os casais missionários e
4 - as diaconisas
1 – As Colaboradoras de Paulo
Um fato totalmente novo encontramos nas Cartas Paulinas. Surgem as colaboradoras, inúmeras mulheres formaram o grupo deas pessoas simpatizantes a pregação de Paulo e passaram a auxiliá-lo. Como mulheres numa sociedade constituída de famílias patriarcais, o espaço feminino se restringia a sua própria casa. Este é um dado muito importante, as mulheres abriram suas casas às comunidades e as comunidades passaram a se reunir nas casas, para ouvir a palavra e celebrar a eucaristia. Neste espaço da casa a mulher passou a ser valorizada. Elas passaram a ser colaboradoras e ajudavam na obra de evangelização. Os Atos dos Apóstolos falando da atividade de Paulo conservam o nome de uma mulher cristã, moradora de Jerusalém e que na sua casa os discípulos se reuniam para a oração e para ouvir a palavra. Esta mulher é Maria, mãe de João, também conhecido por Marcos evangelista. Ela exerce a hospitalidade acolhendo Pedro ao sair da prisão (At 12,12).
Paulo falando de Maria, mãe de Marcos e de outras três, citadas em (Rm 16,12) Trifena, Trifosa e Pérscide afirma são mulheres que se afadigaram. Paulo quando usa este verbo refere-se ao seu próprio trabalho de evangelização e coloca estas mulheres também como participantes da obras da evangelização. Paulo usando este mesmo verbo em (1 Cor 16,16; 1 Ts 5,12) indica o trabalho apostólico daqueles que são responsáveis pela comunidade.
Outro dado importante, com referência as mulheres nas Comunidades Paulinas foi à hospitalidade. Era um costume hebraico receber todo o Judeu que chegasse a sua casa ou cidade. Providenciava-se casa, trabalho e alimento. Paulo utilizou muitas vezes desta prerrogativa quando chegava às cidades para evangelizar. Esta acolhida era de responsabilidade feminina elas acolhiam o visitante e dispunham as casas para os cristãos se encontrarem e celebrarem a palavra e a eucaristia.
Maria mãe de Marcos, evangelista, e tantas outras mulheres daquela época acolheram a Igreja em suas casas. Ainda não conseguimos ver com clareza a função que elas exerciam durante a “fração do Pão”, mas é de acreditar que o anúncio da palavra ocorria através da liderança feminina em suas casas. Podemos afirmar que o trinômio é verdadeiro: Teto – Pão – Catequese, realizado pelas mulheres com simplicidade e carinho.
Filipos era uma das principais cidades da Macedônia Oriental, se localizava a 16 Km da costa do mar Egeu. Foi à primeira cidade européia que Paulo evangelizou e tornou-se a cidade predileta onde Paulo fez muitos amigos. A carta aos Filipenses é chamada a carta da alegria. Paulo tem alegria em escrever a eles de recordar sua obra de evangelização e de dirigir exortações.
Filipos tinha uma comunidade muito pequena de Judeus. Eles não tinham sinagoga. Eles se reuniam nas cercanias da cidade em um lugar que possuía muitas fontes de água. Utilizavam esta água para fins de purificações antes das orações. Ai reunia-se muitas mulheres para tingir os tecidos de púrpura, a venda de roupas era fonte de riqueza para a cidade. Muitas destas mulheres viviam do comércio de tecidos, tinham certo prestígio na cidade, eram independentes economicamente e tinham autonomia religiosa.
A carta aos Filipenses nos narra a conversão de Lídia e de toda sua família, incluindo os funcionários que foram batizados, ela era uma comerciante de púrpura. Na casa de Lídia a comunidade passou a se reunir e Paulo levou a eles a obra da evangelização.
Paulo na Prisão não esqueceu a comunidade de Filipos, e dirige a eles uma mensagem recordando outras duas mulheres Evódia e Síntique duas conceituadas mulheres macedônicas. Provalmente existia um conflito de liderança entre as duas e Paulo exorta:
“Eu exorto a Evódia e a Síntique a serem unânimes no Senhor” (Fl 4,2). Bíblia de Jerusalém.
Elas eram conhecidas por serem de forte personalidade e a desavença entre elas quebrava a harmonia da comunidade a quem Paulo ministrava. Paulo leva em consideração o trabalho delas:
“porque me ajudaram na luta pelo evangelho, em companhia de Clemente e dos demais auxiliares meus cujos nomes estão escritos no livro da vida.” (Fl 4, 3).
Paulo citando em sua carta esta duas mulheres as coloca ao lado de seu grupo apostólico. Ainda na prisão o apóstolo Paulo escreve um bilhete a Filemon e saúda a irmã Ápia.
2 - O ministério das viúvas
No Novo Testamento a palavra “viúva” pode ter sentidos diferentes, mas sempre próximos. Os Atos dos Apóstolos (6, 1-2; 9, 39) nos informa que as “viúvas” (= idosas) estavam aos cuidados da Comunidade. Trata-se neste texto de viúvas/idosas no sentido próprio da palavra. No entanto desde a carta a Tito percebemos que estas viúvas desempenham um papel particular na vida das Comunidades Paulinas.
“As mulheres idosas, igualmente devem proceder como convém a pessoas santas: não sejam caluniadoras, nem escravas da bebida excessiva, mas capazes de bons conselhos, de sorte que as recém-casadas apreendam com elas a amar os seus maridos e filhos” (Tito 2, 3-4).
Podemos interpretar a viuvez como um apelo à perfeição e certo tipo de missão junto das jovens da comunidade. Mais isto evolui para uma forma organizada de apostolado e serviço na comunidade.
“Honra as viúvas, as que são verdadeiramente viúvas […]. Uma verdadeira viúva é a que confia em Deus e persevera em súplicas e orações noite e dia […]. Só pode ser inscrita como viúva a que tiver pelo menos sessenta anos, tiver sido esposa de um só marido, e tiver o testemunho de suas boas obras, tiver criado os filhos, praticado a hospitalidade, lavado os pés dos santos, socorrido os atribulados e for dedicada a toda a obra boa” (1 Tim 5, 3-10).
Notamos que o texto nos leva a três tipos de viúvas: uma que a Igreja não precisa assistir, pois têm família, outras que a Igreja deve assistir porque são verdadeiramente viúvas e não tem ninguém por elas e a terceira são as viúvas chamadas pela Igreja para realizar certas funções oficiais, sob condição de satisfazerem as exigências desta missão.
O que é interessante nesta classificação é a inscrição num registro e o fato que isso implicar nas condições específicas, o que demonstra que se trata não de todas as viúvas, mas apenas de algumas que constituem uma categoria especial na comunidade. Encontramos aqui a primeira indicação que temos sobre uma ordem das viúvas.
Embora o “diaconato” em sentido lato existisse desde o princípio, torna-se claro que durante o século II era a “ordem das viúvas” que exercia essa função.
3 - Os Casais Missionários
Áquila e Priscila (também chamada de Prisca) se encontram com Paulo na cidade de Corínto. Era um casal Judeu vindos de Roma e deram hospedagem a Paulo em sua casa. Paulo não só recebeu hospitalidade da parte deles, mas também trabalhou com eles como fabricantes de tendas (At 18,3). Tornou-se um casal evangelizador de Éfeso em um cidade de cultura grega. Conforme a narrativa de Coríntios 16,19 eles cediam sua casa para os cristãos se encontrarem possibilitando a Comunidade se reunir. Tornaram-se Áquila e Priscila os missionários dos gentios, colaboradores em Cristo Jesus. Paulo elogia o casal dizendo para salvar minha vida eles expuseram a sua própria cabeça. A gratidão a eles não é devida só a mim mas também de todas as Igrejas da gentilidade.
Apolo, originário de Alexandria foi evangelizado por Priscila e é citado como:
“homem eloqüente e versado nas escrituras” (Atos 18,24-26) Bíblia de Jerusalém.
Na carta aos Romanos encontramos o casal Andrônico e Júnia (Rm 16,7) eles receberam o nome de apóstolos. O título dado a uma mulher de apóstolo foi contestado por muito tempo pelos estudiosos. Penso que mais por preconceito do que pela liderança que ela exercia na comunidade.
Muitos outros casais encontramos nas Cartas Paulinas que trabalharam lado a lado pela causa do evangelho lembramos:
“Saudai Filólogo e Júlia; Nereu e sua irmã, e Olímpias, e todos os santos que estão com eles”(Rm 16,15) Bíblia de Jerusalém.
4 - Diaconisas
O envolvimento das diaconisas no apostolado das Comunidades Paulinas dos primeiros tempos é um fato indiscutível. Aqui só fazemos um breve resumo que mostra como a ação das diaconisas se inseriam no quadro das Comunidades de Paulo
O termo “diakonos” no início era usado para os missionários ou pregadores, que atendiam uma comunidade. As diaconisas nesta época (primeiro século) também eram missionárias, evangelizadoras oficiais e tinham como a tarefa principal, atender os pobres, os doentes, as viúvas e os batizados. Nas cartas paulinas a função do diaconato não havia distinção entre os homens e mulheres.
Um exemplo característico deste serviço que as mulheres exerciam na Comunidade é o exemplo de Febe. Ela é considerada “irmã” e “diakonos” da igreja de Cencreia. Considerar Febe como diaconisa é dar a ela reconhecimento de uma função eclesial.
“Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa da Igreja de Cencréia, para que o recebais no Senhor de modo digno como convém aos santos, e assistais em tudo o que ela de vós precisar, porque também ela ajudou a muitos, a mim inclusive”. (Rm 16,1-2) Bíblia de Jerusalém.
Ela é colocada ao lado de Paulo e dos outros líderes.
Considerações Finais
Há muito mais referências na literatura Paulina a homens exercendo o ministério do que as mulheres em ministério, mas considerando a situação cultural isto não é de se admirar. O admirável de tudo isto é que há referência as colaboradoras, ao ministério das viúvas, a obra evangelizadora dos casais e diaconisas. O fato que se constata que existe um número moderado de mulheres com liderança na evangelização das Comunidades Paulinas indicando com isto que desde o começo o Cristianismo reconheceu o papel legítimo de mulheres exercendo atividades evangelizadoras. Aquele ideal não podia ser realizado naquela época plenamente e ainda não esta sendo realizado em nossas comunidades. Entretanto, avanços tem sido feitos, e todos nós acreditamos que agora chegou o tempo para que se complete a realização daquele ideal.
Consulta:
CEBI, Paulo e suas Cartas, Roteiros para Reflexão X, Cebi São Leopoldo, 2000, pág.52-56.
ZEDDA, SILVÉRIO, Prima lettura di San Paulo (Introduzione, Analisi – Parafrasi, Note), in Lettere della Prigionia, pág. 413-534 e in Lettere Pastorali, pág. 535-611, Tecnograph – Torino, 4 edizione, 1964.