Os primeiros 5 livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), denominados Pentateuco, não foram escritos por Moisés. Para tirar qualquer dúvida, bastaria ler Deuteronômio 34: como pode o autor narrar a própria morte?
Dúvidas sobre o autor
No passado, ta tradição judaica, seguida depois por aquela cristã, atribuiram a paternidade desses livros a Moisés. É por isso que nasce a sua pergunta que, portanto, não deixa de ter fundamento. Para resolver o problema que citei acima, da morte de Moisés contada em Deuteronômio 34, o Talmude diz que esses versículos foram escritos por Josué.
A ideia da autoria de Moisés começou a ser colocada em discussão já na Idade Média, por volta do século XII, Con Ibn Ezra, que percebeu incongruências inexplicáveis considerando um único autor. Essas dúvidas foram confirmadas com a exegese moderna e já desde o século XIX essa ideia não foi mas tomada a sério pelos estudiosos.
Na verdade, é evidente que se trata de uma obra escrita por várias mãos. Prova disso são as repetições que existem (2 vezes a história da criação, duas vezes a aliança com Abraão, contradições sobre o dilúvio. Além disso há muita diferente de estilo entre uma passagem e outra e também de vocábulos, como YHWH e ou Elohim.
Em relação às leis que encontramos nesses livros, são apresentadas, às vezes, em versões diferentes. Há inclusive leis sobre o memso argumento que têm disposições diferentes e contraditórias e até algumas leis corrigem outras. Veja por exemplo as leis sobre os escravos em Êxodo 21,2-11; Levítico 25,39-55; Deuteronômio 15,12-18.
Além disso, há pedaços de textos que são claramente emendas, acréscimos explicativos (Gênesis 36,1; Êxodo 16,36).
Isso tudo revela um processo de formação complexo que não pode ser atribuído a um único autor.
Quem é o autor?
Se por um lado os estudiosos são unânimes em afirmar que não foi Moisés, por outro não há acordo sobre quem escreveu o texto e quando. Existem hipóteses e nenhuma certeza.
A ideia mais comum atribui a autoria/edição a alguém que juntou vários documentos que foram escritos em períodos diferentes. Essa hipótese é chamada de "teoria documentária" e foi elaborada por Julius Wellhausen, já no século XIX. O material que encontramos hoje viria de 4 fontes.
- A mais antiga vem do assim dito "Jahwista" (porque usa o nome divino YWHW), indicado como "J". Esse material seria do tempo da monarquia unida, do tempo do Rei Davi, para ser mais claro.
- Outra fonte é a a "Eloísta" (usa Elohim para "Deus"), reconhecida com a sigla "E". A sua origem é o Reino do Norte e seria do IX-XIII século. Reflete as preocupações típicas dos profetas do Norte.
- A fonte Deuteronomística (D), presente sobretudo no Deuteronômio, seria fruto das reformas de Josias, de 622 antes de Cristo.
- A última fonte é chamada de Sacerdotal ("P", de Priestercodex). É um documento histórico legislativo que contém material antigo e que foi completado principalmente durante o período do Exílio.
Essa teoria, embora constantemente lembrada, sobre desde a década de 70, muitas críticas. Hoje a preferência é falar do período em que foram colocados juntso os vários textos que circulavam. De fato, acredita-se mais na existência de blocos de textos ou tradições orais que circulavam unidos por temas (criação, história dos patriarcas, saída do Egito, vida no deserto, Sinai, etc) do que de verdadeiras fontes completas. Esses textos eram independentes e depois foram unidos sucessivamente.
Essa redação final tendencialmente é colocada cada vez mais tarde, até mesmo depois do Exílio em Babilônia. E se tende também de vê-la dentro de um projeto mais amplo, que inclui até mesmo 2Reis, como uma grande obra historiográfica.
Por que Moisés
Primeiro de tudo porque trata da história mais antiga, mas principalmente porque tem a ver com a Lei; é a Torah. E se diz que ela foi recebida por Moisés sobre o Monte Sinai. A ele ela foi entregue e por isso tem autoridade para descrevê-la.
Além disso, é muito comum na Bíblia atribuir a autoria dos livros a pessoas importantes e assim dar também importância às obras.
