O papel das traduções dos livros bíblicos tem sido um assunto constante aqui no site. É um tema que estava nas mãos de espertos, até há pouco tempo. Agora o público começa a se interessar por ele. Esse interesse é coisa boa. Mas, às vezes, é suscitado por ânimos nem sempre correto. De fato, alguns, invés de se abrirem à dinâmica existente nesse processo de trazer até nossas línguas o que foi escrito em hebraico, aramaico e grego, se concentram em eventuais escândalos.

Há quem diga que o tradutor é sempre um traidor. Falando todo dia uma língua que não é a minha, sei bem da dificuldade de traduzir. Mas também sei que quem traduz não é um traidor, embora pode sê-lo. O tradutor procura dizer com suas palavras aquilo que é dito em outro idioma. Quando estudava hebraico, lembro bem que o professor dizia: "como sua mãe diria isso?" Isto para significar que a tradução não pode ser sempre literal, mas preciso dizer na minha língua o que está sendo dito em outra, que tem suas próprias estruturas, suas próprias expressões idiomáticas. Façamos um exemplo.

Em inglês, é comum escutar a expressão "how do you do?". Se você procura a tradução, verá que significa "Como você está?". Todavia, literalmente, significa "como você faz?". Podemos dizer que quem traduz a frase inglesa com "como você está?" está cometendo um erro? É claro que não, pois a tradução literal seria um erro.

Com a Bíblia é a mesma coisa: nem sempre as traduções literais são as melhores. Nesse sentido, visto que as línguas bíblicas são muito mais estranhas do que o inglês, é muito difícil traduzir o original bíblico para nossas línguas. Há pessoas mais espertas e outras que só têm boa vontade, mas nem sempre os instrumentos adequados. Por exemplo, quando em 1Coríntios 13 Paulo fala de "AGAPE", temos que traduzir como "amor" ou como "caridade"? É verdade que "agape" significa "amor", mas um amor elevado à última potência, visto que o grego possuiu três termos para "amor", cada um com um significado diferente. Em português não é fácil transmitir esses três conceitos, usando sempre a mesma palavra "amor", mas no original bíblico esses três níveis de amor são muito evidentes.

 

O texto original

Outra dificuldade para os tradutores é ter acesso ao texto original. Sabemos bem que não existe mais o pedaço de papel (pergaminho, obviamente) usado pelos autores bíblicos para escrever os textos. Não existe nem sequer um pedaço de texto, materialmente falando, que é exatamente aquele escrito pelo autor bíblico. Há vários manuscritos que foram copiados muito mais tarde que o texto do autor. Alguns desses manuscritos são antigos e outros mais recentes. Há situações onde existem testemunhos de textos de uma passagem bíblica que em um manuscrito é de uma maneira e em outro de outra forma. Em casos parecidos, qual é o texto original? Qual dos textos deve ser usado pelo tradutor? (veja aqui um exemplo)

Para responder a esta pergunta, que condiciona de maneira significativa as traduções da Bíblia, existe a crítica textual. A esse propóstio, leia o artigo presente aqui no site.

 

Bíblia adulterada?

Essa tese é muito comum no mundo digital. Entre os biblistas sabemos bem que se trata de algo infundado, pois a Bíblia tem uma história de transmissão muito privilegiada: chegou até nós de maneira integral, com poucas excessões, a maioria delas insignificantes. Há algumas dúvidas sobre o texto original, mas são de pouco conto para a mensagem central.

A arqueologia deu uma prova incontestável dessa verdade. Até o século passado, os textos mais antigos do Antigo Testamento eram ao menos do século IV depois de Cristo. Não se sabia o que tinha acontecido com esses textos entre o tempo que fora escrito e os manuscritos que possuímos. Por exemplo, não sabíamos se os manuscritos que possuímos contêm o mesmo texto que Jesus lia. Todavia a descoberta dos manuscritos de Qumran, onde foram achados manuscritos praticamente de todo o Antigo Testamento, confirmaram que os textos são idênticos. Essa descoberta arqueológica atesta que o texto foi bem transmitido e que o que chegou até nós é uma versão de boa qualidade.

A razão básica para essa confiança é que estamos diante de um texto sagrado e não diante de qualquer história. Quem era encarregado de copiar e ou traduzir não fazia sua tarefa de qualquer maneira, mas como se fosse um serviço divino. Assim se comportaram também os primeiros tradutores, aqueles que traduziram, cerca de 200 anos antes de Cristo, o Antigo Testamento para o grego.

Portanto, não há razões para ser pessimista em relação ao valor das traduções. Também hoje, as editoras fazem um esforço grande para colocar em nossas mãos uma versão bem feita dos textos originais. Procure ter em mãos uma versão atual, onde se indica a equipe responsável pela tradução. Se nada é dito dos tradutores, pode ser um sinal negativo. Por traz de uma tradução existe um enorme trabalho, que é fruto de uma equipe, tanto de biblistas quanto de linguistas.