Nossa atual geração de cristãos vive conflitos que derivam das próprias convicções e da própria história, caracterizada pela falta de reflexões intelectuais que possam ajudar a resolvê-las. As igrejas tradicionais resolvem essa questão com a ajuda da tradição e se apoiam nos clássicos pensadores, filósofos e teólogos, que refletiram durante o caminhar histórico milenar da igreja, em suas diferentes fases de existência. Expressões emblemáticas desse processo foram os concílios, tantos das igrejas ocidentais quanto das orientais, já nos primórdios da existência do cristianismo. Tomemos, por exemplo, o papel de Maria na devoção cristã: desde os primeiros séculos foi tema de discussão teológica e a expressão que se vê hoje em algumas manifestações cristãs não nasceram há algumas décadas, mas são o resultado de um processo secular, que, embora possam ser discutíveis, são regidos por pilares históricos.

Ao lado dessa experiência de fé cristã tradicional, hoje existem muitas comunidades e cristãos que vivem um novo fenômeno que, de qualquer forma, ignoram o processo histórico eclesial. Não se trata de um juízo, mas de uma constatação. Tal situação não aconteceu nem com Lutero, que construiu sua Reforma sobre a tradição teológica secular da igreja, embora rompesse com muitos elementos vigentes na igreja do século XVI, principalmente aqueles que julgava provocar conflitos com a mensagem transmitida pelas Escrituras.

 

Pastoras e apóstolas

A introdução que fiz acima serve para indicar a dificuldade que provavelmente alguns encontram em certas atitudes da própria comunidade. Obviamente, no tempo de Cristo, não existiam mulheres pastoras. Se devemos fazer tudo como diz a Bíblia, como podemos aceitar que haja mulheres à frente da comunidade? Creio que esse é o ponto essencial que precisa de resposta. Como devemos entender o "sola scriptura"? Ignorar a tradição e a evolução do pensamento teológico?

Já os protestantes, há quinhentos anos, entenderam que não é possível rejeitar a tradição. Para eles a tradição tinha sempre seu valor, mas sublinharam que é fundamental colocar a primazia da Bíblia diante da tradição quando os princípios doutrinários criam conflitos com quanto dito pela Bíblia. Essa é a síntese do "sola scriptura".

A tradição é contruída pela comunidade de cristãos. Estamos contruindo-a com nossas vidas. A reflexão sobre o sacerdócio das mulheres faz parte desse processo. Não estamos diante de esquemas definidos uma vez por todas. Deus se revela na história e aceita o processo da caminhada humana como elemento intrínseco da revelação. No fundo, estamos ainda descobrindo a verdade revelada pela Bíblia, que não é um livro "fechado", mas dinâmico e vivo, que se compreende aos poucos, com a soma de reflexões das comunidades dos fieis.

 

Concluindo

É a comunidade que deve definir se "pastora" é correto ou não. Também a igreja católica, tradicionalmente muito mais lenta e rígida em seus princípios, precisa refletir sobre o sacerdócio das mulheres. É a dinâmica da revelação que continua agindo em nossas vidas. A práxis das comunidades precisam passar pelo crivo da reflexão teológica e da história. Não basta alguém se levantar pela manhã e acreditar que algo tem que ser feito de certa maneira, interpretando a Bíblia. Vivemos em comunidade e nela precisamos definir o nosso futuro.

Em relação ao termo "apóstolo", acredito que seja sábio deixar esse termo reservado aos 12 escolhidos por Cristo (e Paulo), para não criar confusão e respeitar a verdade histórica da encarnação divina. Nós, seus seguidores, somos seus discípulos.