Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Bíblia da Escola Superior de Teologia, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Bíblia (Orientador: Francisco Orofino).
Introdução
Contemplar o rosto do Servo Sofredor nos rostos sofridos dos pobres ao longo da própria caminhada de fé suscita uma permanente inquietação na vida e missão de muitos consagrados e consagradas inseridos nos meios populares.
O sentimento de impotência diante da dor, a indiferença que muitas vezes se constata até mesmo nos espaços eclesiais diante desta multidão deixada às margens da vida e o desejo de encontrar sentido em tudo o que parece não ter sentido é o ponto de partida deste trabalho de pesquisa na área da espiritualidade bíblica.
Encontrar um sentido na morte é viver com sentido, é antecipar a ressurreição. Encontrar o rosto de Deus escondido nos miseráveis é trilhar o caminho da misericórdia. Há um universo de pessoas indefesas à margem da tecnologia, do mercado, da vida, das Igrejas... Há homens e mulheres do outro lado da cidade, do lado de fora dos bancos, dos shoppings, das casas, dos hospitais.
Como o Servo, estas pessoas desprezadas, deixadas de lado pelos homens, familiarizadas com o sofrimento, nos interpelam. Sua vida se torna na história uma Palavra criadora de Deus que chama à solidariedade, à compaixão, ao serviço e à misericórdia. Se ouvirmos esse chamado, a miséria será o lugar de onde poderemos nos tornar parceiros e parceiras de Deus na nova criação.
O presente trabalho nasce de uma experiência de ser sobrevivente de duras provas, do testemunho de sucessivas entregas e páscoas, e da proximidade com aqueles e aquelas que vivem na própria carne a opressão, o aniquilamento e a exaltação do Servo traduzida na teimosa esperança da “raiz que nasce em terra seca”.
Trata-se de um tema que vem sendo abordado por diversos estudiosos na área bíblica, teológica, antropológica e sociológica. Seguindo uma linha de reflexão libertadora, desenvolvemos o tema em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, partimos da realidade de sofrimento atual, contemplando nos rostos sofridos dos pobres da América Latina o rosto sofrido do Servo de Iahweh a partir da reflexão proposta no Documento de Aparecida.
O segundo capítulo é uma análise histórica que nos ajuda a percorrer um caminho de análise literária do texto de Isaias 52,13-53,12, a partir do contexto do exílio babilônico e das diversas teorias sobre os Cânticos do Servo de Iahweh.
No terceiro capítulo desenvolvemos uma releitura cristã da figura do Servo, aprofundando algumas expressões presentes nos Evangelhos que indicam a identificação de Jesus de Nazaré com o Servo. Para este capítulo um aporte significativo será um trabalho anterior sobre o Hino Cristológico de Fl 2,5-11, elaborado em vista da conclusão do curso de Teologia.
Finalmente, no quarto capítulo colhemos os frutos da reflexão procurando acolher a Palavra de Deus pronunciada para os pobres e na vida dos pobres hoje, chamando-nos à conversão e a assumir a condição de discípulos e discípulas de Jesus – o Servo, fazendo nossas as palavras de Is 50,5: “O Senhor Iahweh abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde nem recuei”.
Procuramos ter presentes, ao longo de todo o trabalho, as interpelações e desafios atuais para a superação de uma mentalidade sacrifical. Buscamos nestas interpelações o referencial hermenêutico para a releitura deste Cântico como Palavra criadora e prenhe de sentido para o momento atual que coisifica o ser humano e já não vê nele um caminho para a compreensão do mistério da vida. A reflexão de Jon Sobrino sobre o mistério do Crucificado na vida crucificada dos povos latino americanos e o desafio de um agir solidário e profético e libertador que emerge desta leitura são referenciais teóricos que nos inspiram e nos unem à vasta gama de reflexão libertadora que ainda em nossos dias sustenta e anima a esperança dos pobres.